A saga do João

Desconheço outro pássaro mais persistente que esse casal de João de barro. O seu ninho só foi concluído definitivamente, após mudança de local e, em uma terceira tentativa. Acompanhei toda a saga dos pássaros. As  duas primeiras tentativas foram frustradas porque eles tentaram construir sua casa em cima da fiação elétrica que passa em frente da minha casa. Venho a chuva, sopraram os ventos e a obra, por duas vezes, venho parar na calçada. Nada que um jato de água não resolvesse. Após duas tentativas sem sucesso, eles resolveram mudar de local. Vieram para dentro do pátio e construíram sua casa em cima do poste da minha distribuição elétrica. A obra levou em torno de três a quatro dias. A movimentação em prol da construção era um tanto discreta, porém decidida. Houve trabalho em parceria e sem a necessidade de um projeto arquitetônico. Eles edificaram harmoniosamente o local, onde hoje, seus filhotes recebem seus devidos cuidados e proteção. Algo um tanto natural, mas de uma perfeição ímpar. Belas lições que a natureza nos proporciona. Um aprendizado sem precedente, um espetáculo distante dos arranjos humanos.
Em breve os filhotes terão que abandonar o ninho. Certamente alguns gostariam de permanecer um tempo a mais. Em nada adiantará seus desejos. Se não for por vontade própria, os pais darão um jeito de provocar um voo rasante e depois, mais alto e mais alto ainda. O ciclo de total dependência será encerrado. Um novo tempo se impõem. É hora de construir uma trajetória própria, onde a autonomia será testada e a criatividade multiplicada.


Assim como os pássaros levantam voo, enxames de abelhas se despedem do antigo lar, as pétalas caem, os frutos surgem e o sol se põe, a vida humana também se transforma. Os filhos crescem e saem de casa, os cabelos embranquecem e o vigor físico diminui. Mesmo sendo natural, novas etapas da vida exigem adaptação e conscientização. O preparar-se para adentrar outros espaços e outros modos de vida,  é uma tarefa que se impõem a todos.

Perante a constatação das marcas do tempo, é natural que uma certa nostalgia parece nos perpassar as entranhas. Por mais naturais que sejam, provocam crises. Saber lidar com esses sentimentos é tarefa árdua. No entanto, no processo de humanização as melhorias só acontecem se a maturidade sustentar um posicionamento sereno e altruísta. Creio que a postura ideal é admitirmos nossas transformações e ir abraçando o novo que vai chegando.
Aprendi que nessa vida tudo termina e tudo começa. Lágrimas e sorrisos se intercalam. Perdas podem ser substituídas por outros ganhos, bem diferentes do imaginado e que na medida em que houver um sabor agregado à existência, recomeçar pode ser um jeito criativo de viver e conviver.
Abraço.

Preço e valor

No segmento onde trabalho, tenho comigo algumas tabelas de preços. Assim como uma relação dos melhores fornecedores no quesito preço. Hoje em dia é possível a gente saber o preço de quase tudo. Sei quanto vale a ida ao supermercado, a ida à fruteira, a mensalidade da escola do filho, o preço da gasolina, uma viagem de férias e assim por diante. Saber qual é o melhor preço é quase uma condição para viver e conviver. Impressionante como o mundo dos negócios é hábil em colocar e alterar preços. Impressionante também como muita gente sabe o preço de quase tudo e não sabem o valor de quase nada.

Eu sempre procuro conciliar preço e valor. Sei o preço de determinado brinquedo para meu filho e sei também o valor de brincar com ele. Há pais que oferecem inúmeros brinquedos e esquecem de brincar com seus filhos. Sei o preço do presente de aniversário (dezembro) de minha senhorita e sei o valor de conviver ao seu lado. Sei o preço de determinado bem que tenho e sei o valor que ele representa para mim.

Estou para receber um livro, adoro receber livros. É possível que eu saiba o seu preço. Porém, o valor de tal gesto é incalculável. São pequenos gestos que tornam as pessoas incomparáveis.
Pessoas incomparáveis, de grande valor ( Madre Tersa, Gandhi, Chico Xavier, papa Francisco...) têm maneiras simples de ser. O problema é que para muitos olhos, quase sempre as maneiras simples são consideradas de pouco valor.
Se você observar, o que é mais significativo não tem preço. Simplesmente tem valor. Quanto vale uma vida? E o valor de uma amizade? O valor da saúde, o valor da paz? O preço favorece as trocas; o valor inspira o inatingível.
Muitos necessitam perder alguém para saber qual o valor que tinha. Outros, no entanto, intensificam as relações e os gestos pois sabem do imenso valor.
Não precisamos saber, exatamente o preço de tudo. Mas precisamos saber o valor de tudo aquilo que o dinheiro não compra.

Bom fim de semana!